Os dias foram decorrendo normalmente preenchidos por muito trabalho, longas caminhadas na entrega das suas costuras e tratando da sua filha.
Estafada deitou-se e adormeceu, mas por diversas vezes acordou num incómodo constante.
Na madrugada do dia 26 de Janeiro de 1951, sexta-feira, pelas dores que sentia, sabia que tinha chegado a hora.
Calmamente abriu a persiana e o sol já nascia no horizonte no seu aviso africano de que seria mais um dia de grande calor! Sem hora certa, também o seu marido chegaria de viagem.
Sentou-se na cama a sentir a brisa matinal e o pontapear cada vez mais forte do seu bébé.
Olhou para a mesinha de cabeceira. Pegou nos dois bilhetes para a grande estreia do toureiro Diamantino Viseu e aceitou com resignação o facto de que não poder ir. A sua filha ainda dormia com a MR.
Foi ao quarto da lavadeira e mediante os sinais mais que visivéis, pediu-lhe que fosse chamar a sua grande amiga TZ e a DªCarmo parteira, é para já minha senhora e atando melhor o lenço na cabeça (gesto que fazia quando ficava nervosa) foi num pé e veio no outro, no seu sonoro e gestual “ai ué mãmã, ai uéee” .
Preparou o quarto com a MR, pondo tudo a geito e entrou em trabalho de parto às 7h e 30, rodeada pelas referidas amigas eternas.
Depois de uma longa espera e muito sofrimento, pelas 14h e 30, nasceu uma menina e outro, que pelo massa morta e disforme num aglomerado de carne, cabelos e ossos não deu para perceber o sexo, mas eram gémeos. De imediato foi chamado um médico enquanto tratavam da “gordinha” com quase 5kg que depois de lavadinha e perfumada, num chambrinho feito pela jovem mãe, adormeceu ao seu peito. O médico confirmou que de facto eram gémeos falsos, mas que tinha havido um bloqueio no cordão umbilical o que originou o “seu não progresso”, mas que quer a mãe nos seus 20 anos, quer a “gordinha” estavam de perfeita saúde.
Ah “mia siôha” como é linda e sabi? vai ser uma lutadora então não viu “os bagunça onde era virveu nos nove luas”? Tadinha e pondo um ar sério no seu rosto preto, tocando a “gordinha” com aquelas mãos curtidas, balbuciou no seu dialecto...rservsftrtsrtsttt...as preces aos seus deuses, terminando com um sorriso tão lindo e meigo. Agora “discansii tá”?
Repousava quando o seu marido chegou pelas 16 horas, indo direitinho ao quarto, mas com a frustracção estampada no rosto (outra menina?), saudou-as efusivamente e deu um beijo às duas. Com mil pedidos de desculpas tão esfarrapadas mas acatadas com um sorriso, pelas 16 horas lá foi ele com uns amigos a caminho da dita tourada, todo bonito e penteado com brilhantina, porque de facto era um homem com muito charme.
A bela jovem de olhos castanhos esverdeados ficou com as suas meninas e as visitas constantes de toda a vizinhança.
Anoitecia e pelas 18h,30 o seu marido regressou! Trazia na mão um enorme ramo de malmequeres! Abeirou-se dela, beijou-a e disse: ofereço-te com carinho o que encontrei em cima do carro! Pegou de novo na “gordinha” que dormia longe, bem longe da luta interior de uma jovem, que mal ele saiu do quarto, mandou a TZ pôr o ramo no caixote do lixo.
Ao ver passar o ramo pela sala onde se encontrava a jantar...nada disse, porque sabia que não tinha procedido correctamente.
Uma ano depois em Março de 1952 nasceu o primeiro rapaz e assim foi por mais duas vezes, num total de cinco filhos.
Entre altos e baixos, foram felizes, muito felizes porque de facto o amor entre os dois era imenso, como foi imensa a luta árdua que tiveram para criar a sua prol.
A “gordinha” SOU EU, que hoje ao fazer 74 anos contei-vos uma história sucinta, mas real e simples, que ouvi vezes sem conta, mas que hoje ao dar a ler à minha mãe, sorriu e disse: não eram maçãs filha, eram mangas.
Que rica peça que saí ... hem??!!!!
FIM
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Mãe estejas onde estiveres relembro-te todos os dias com muita saudade!