domingo, 25 de agosto de 2013

Carta aos 19%

Caro desempregado,

Em nome de Portugal, gostaria de agradecer o teu contributo para o sucesso económico do nosso país. Portugal tem tido um desempenho exemplar, e o ajustamento está a ser muito bem-sucedido, o que não seria possível sem a tua presença permanente na fila para o centro de emprego. Está a ser feito um enorme esforço para que Portugal recupere a confiança dos mercados e, pelos vistos, os mercados só confiam em Portugal se tu não puderes trabalhar. O teu desemprego, embora possa ser ligeiramente desagradável para ti, é medicinal para a nossa economia. Os investidores não apostam no nosso país se souberem que tu arranjaste emprego. Preferem emprestar dinheiro a pessoas desempregadas.
Antigamente, estávamos todos a viver acima das nossas possibilidades. Agora estamos só a viver, o que aparentemente continua a estar acima das nossas possibilidades. Começamos a perceber que as nossas necessidades estão acima das nossas possibilidades. A tua necessidade de arranjar um emprego está muito acima das tuas possibilidades. É possível que a tua necessidade de comer também esteja. Tens de pagar impostos acima das tuas possibilidades para poderes viver abaixo das tuas necessidades. Viver mal é caríssimo.
Não estás sozinho. O governo prepara-se para propor rescisões amigáveis a milhares de funcionários públicos. Vais ter companhia. Segundo o primeiro-ministro, as rescisões não são despedimentos, são janelas de oportunidade. O melhor é agasalhares-te bem, porque o governo tem aberto tantas janelas de oportunidade que se torna difícil evitar as correntes de ar de oportunidade. Há quem sinta a tentação de se abeirar de uma destas janelas de oportunidade e de se atirar cá para baixo. É mal pensado. Temos uma dívida enorme para pagar, e a melhor maneira de conseguir pagá-la é impedir que um quinto dos trabalhadores possa produzir. Aceita a tua função neste processo e não esperneies.
Tem calma. E não te preocupes. O teu desemprego está dentro das previsões do governo. Que diabo, isso tem de te tranquilizar de algum modo. Felizmente, a tua miséria não apanhou ninguém de surpresa, o que é excelente. A miséria previsível é a preferida de toda a gente. Repara como o governo te preparou para a crise. Se acontecer a Portugal o mesmo que ao Chipre, é deixá-los ir à tua conta bancária confiscar uma parcela dos teus depósitos. Já não tens lá nada para ser confiscado. Podes ficar tranquilo. E não tens nada que agradecer.

Ricardo Araújo Pereira (27 de Março de 2013)
(Revista VISÃO)

22 comentários:

  1. RAP e o seu homor corrosivo e inteligente.

    Um reparo: neste texto, é algo pessimista. Não deveria transmitir tanto negativismo.
    Tem razão mas é preciso cuidado.

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    1. Claro que sim, negativismo a mais é sempre mau...mas achei excelente e deveria ser entregue a uns personagens que conheço.

      Abraços

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    2. Por outro lado, existe um certo incentivo ao trabalho não formal. Aqui no Brasil também existem muitas pessoas sobrevivendo de "bicos" simplesmente é um meio de não pagar a exorbitância de imposto que o governo brasileiro cobra sobre cada assalariado.
      Muito bom texto!!
      Beijus,

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  2. «Antigamente, estávamos todos a viver acima das nossas possibilidades. Agora estamos só a viver, o que aparentemente continua a estar acima das nossas possibilidades.» É isso mesmo! O ideal para este "governo" era que morressem muitos (ou todos mesmo) reformados, todos os doentes e que os desempregados desaparecessem da face da Terra. Quanto aos jovens que fossem todos - com exceção dos boys laranja - para a Sibéria ou para mais longe. Então sim, talvez cumprissem as metas da Merkel ou do raio que os parta!

    QUE FÚRIA!!!

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  3. Já conhecia.
    Mais uma pérola do RAP.
    Boa semana!!

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  4. Somos "pobres", mas tínhamos o subsídio de desemprego mais "rico"

    Não é preciso tirar um mestrado medinacarreirista para perceber que a grande causa da nossa crise está no abismo entre as possibilidades económicas da sociedade e as benesses financeiras garantidas pelo Estado. A bota não bate com a perdigota. O Estado paga salários e distribui subsídios/pensões demasiado pesados para a nossa economia. A montante, produzimos riqueza como portugueses, mas a jusante queremos distribuir dinheiro como alemães. Este salto de fé insustentável era evidente, por exemplo, na atribuição do subsídio de desemprego.

    Em 2009, a OCDE colocava Portugal no sexto lugar na escala de generosidade do subsídio nos cinco anos seguintes à entrada no desemprego. Repare-se no pormenor: ao nível do PIB per capita, Portugal devia ser o sexto a contar do fim, mas ao nível da distribuição social o nosso país estava no sexto lugar a contar, ora essa, do princípio. A OCDE também argumentava que Portugal tinha o subsídio de desemprego mais generoso da Europa para quem estava desempregado ao fim de dois anos: 79% de reposição de salário e uma extensão temporal que podia chegar a três anos e meio. Pior: um indivíduo podia aceder a três anos e meio de subsídio depois de trabalhar apenas ano e meio. Uma situação sem paralelo na Europa inteira (Expresso, 15 Maio 2010).

    Este é um dos muitos exemplos que provam a insustentabilidade do estado social criado entre nós. Ao longo dos anos, este abismo entre a criação e a distribuição de riqueza foi coberto pela famosa dívida soberana, mas essa forma de fazer políticas-de-esquerda-alimentas-pelo-capitalismo-internacional chegou ao fim com esta crise. Portugal já não pode fugir da questão: é o estado social que se deve adaptar à realidade económica do país, e não o inverso . Na Suécia, as reformas descem automaticamente quando o PIB desce. Mas, como se sabe, a Suécia é salazarista, fascista, neoliberal, economicista e, quiça, inconstitucional.



    Henrique Raposo

    Ler mais: http://expresso.sapo.pt/somos-pobres-mas-tinhamos-o-subsidio-de-desemprego-mais-rico=f800427#ixzz2d3t5kPBC

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    1. Mas não te deixo de dar razão e a culpa era de quem dava ou recebia? Claro quepara darem também beneficiavam com isso e onde estão os milhões e milhões que vieram a fundo perdido? Condeno sim o balancé existente entre PS e PSD e por vezes com o CDS à mistura.
      Quer dizer tu descontaste e ficavas sem emprego e cadê o que te descontaste? Mais, quantos políticos passaram pelo parlamento e ou nos sucessivos governos porque trabalharam doze anos têm a reforma, pensão vitalícia acima do dois mil euros e o lugar cativo para onde voltaram. E o compadrio de ou na entrada no Estado.

      Fizeram a dívida, eu? e milhares como eu? Como assim? e agora vêm com blá, blá e trinta um de boca?

      Que apanhem os corruptos BPP e BPN para não falar de outros e que outros... em vez de criarem desemprego, em vez de se pavonearem em "rentrées" com promessas de maupagador...etc, etc, e a ver se não havia dinheiro.

      Aumento brutal da carga fiscal, porque quis mais além...mas não estamos na era dos descobrimentos...e cadê a economia? Emigrem, emigrem...pois claro e fico-me por aqui, porque caramba sejam de direita, centro ou esquerda...só querem é poleiro e pouco fazem pelo país...e no caso das Swaps destroem PROVAS?

      Enfim...

      Abraços

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    2. Isso deve ser coisa que sempre aconteceu, mesmo antes do tal. Sendo assim, pelos vistos o problema é mesmo inerente a Portugal.

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    3. no tempo do tal era bem pior e nem sequer podias piar, desculpa escrever ou falar, que te cortavam logo o pio... e fico-me por aqui!

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    4. O texto do tal Henrique Raposo, tem muitas inverdades, para não dizer mesmo mentiras, está cheio de demagogia,


      Um exemplo demagogo é que quem trabalhar dois anos poderá ter 3 de subsidio de desemprego o que é pura falsidade.

      Depois há algo muito importante que toda a gente devia saber, que estes falsos profetas nunca dizem, os desempregados descontam do seu salário todos os meses uma parte que vai directamente para o fundo de desemprego, esse fundo é mal gerido por toda a cambada de políticos que por lá passou.


      Mas tem muitas mentiras que nem me merecem comentar,


      Grande abraço amiga

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    5. Sim amigo as regras do "tempo de atribuição de...) foram alteradas, aliás estes miúdos políticos passam a vida a alterar para além de gerirem mal o que dizes.

      Beijocas e obrigado

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  5. Sou desempregada que acabará o subsidio em Outubro e o meu marido também desempregado a receber 470 euros. Temos duas filhas e casa para pagar. O que faremos a partir de Outubro? Será que estou nesta situação porque vivi acima das minhas possibilidades? Será que o apartamento usado que comprei à 10 anos atrás é muito luxo para um casal? A pçartir de Outubro se pagar casa passaremos fome, se não passar fome o banco vem buscar a casa.

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    1. Revoltante e indignate a tua situação como de perto de três milhões de portugueses (aqui incluo também os que não estão inscritos no fundo e desemprego) embora muitos já tenham emigrado. Eu só não o fiz porque já faço parte do ramalhete a abater, sou velha e reformada.

      Onde haviam casas para alugar desde 1979? Os filhos para sairem de casa tiveram de comprar casa, fizeram contas, roubaram-lhes o emprego, deram o que tinham direito- fundo de desemprego e como dizes e bem...isso é viver acima das possibilidades?

      Só te posso dar um conselho: vai ao banco e fala, expõe a situação, bate o pé...antes de faltares com a prestação e desejo-te sorte.

      Se fores/forem novos...procurem láfora o que não têm cá dentro, custa muito deixar o nosso país...e eu perdi o meu e agora vejo ir cano abaixo o país que me acolheu há 35 anos!

      Abraços e força

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    2. Sinto-me triste e só apeteceu chorar ao ler esta resposta. Tenho 38 anos e o meu marido 40 anos. Somos novos para o estado e velhos para as empresas. Onde moro as oportunidades de trabalho escasseiam. Sou madeirense e devido a erros dos outros estou nesta situação. Quando compramos apartamento e decidimos ter filhos estávamos numa situação finaceira estável. Ainda bem que as minhas filhas nasceram nessa altura, porque senão não as teria. Emigrar não está fora de hipotese, mas deixar tudo (familia: mãe,irmãos, sobrinhos...) é muito duro. Obrigada pela resposta.

      Sandra / Madeira

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    3. O jeito é procurar ajuda entre familiares e amigos ou então renegociar a dívida bancária, se isso for possível! Um casal amigo voltou a morar com os sogros e colocou a casa para aluguel... Que situação, heim?

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    4. Anónimo -Sandra

      Sei o que sentes e pelo que estás a passar. Eu tive de sair da minha terra-Angola pela maldita guerra e tinhamos dinheiro do meu trabalho e NADA para comprar e comer. Parti para nenhures com a minha filha mais velha e sei bem o que é deixar a nossa terra, as nossas coisas, os pais e os meus dois irmãos mais novos (os outros já tinham saído). Os meu pais e a mais nova vieram de vez porque o meu irmão morreu num acidente.
      Rumei ao Brasil, não deu certo e aterrei em Portugal. Lutei, passei fome, lutei e consegui erguer a minha vida, nesta casa alugada e já com duas filhas, sozinha batalhei e batalhei e crise idêntica passei/passámos de 80 a 86, onde o cenário era quase idêntico, excepto ainda termos o escudo.
      Agora é esta e é revoltante que meia dúzia de caramelos, mais papistas que o Pápa quiseram e fizeram um descalabro e claro, com tantos cortes...o cenário é esse.
      Vocês são muito jovens e irão saber dar a volta, volta que eu daria se tivesse a vossa idade e conforme te disse busca lá fora e vai, porque, volto a repetir não é nada fácil, mas hoje tendes o tal de Skipe, telefones e telemóveis...o que há 39anos atrás não existiam.
      Mal saí de Angola onde deixei tudo, ou melhor ofereci tudo, mas tudo o que tinha a uns amigos meus que bem carenciados e aprendi uma coisa com estas andanças todas: ter cuidado com a nossa cabeça/ânimo/emoções, pensar nos filhos e no teu caso também no teu marido e ACREDITAR QUE JUNTOS hão-de vencer porque bens materiais adquirem-se ao invés de bens morais e mente sã.
      Infelizmente não posso ajudar os meus, vivo com o que tenho de reforma, chapa ganha, chapa gasta e sou avó de 4 pérolas que sempre que precisam estou presente.
      Mais ano, menos anos também irei ver parte a partir e parvos são se não aproveitarem alguma oportunidade que lhes surja e sabes Sandra...tudo passa na vida, porque até nós estamos de passagem.
      O que te digo é sincero e por quem sempre viveu em crise, mas que jamais abri mão dos meus sonhos e transmitir valores que não há dinheiro que pague e quando menos esperares o dia seguinte...derá melhor do que o de hoje e vira costas ao passado.
      Um xicoração

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    5. Luma Rosa
      é isso amiga, mas infelizmente estamos a chegar a um ponto que nem te digo. Quem está a sofrer mais cortes são os reformados, quer públicos, quer privados e nós pais e avós já não conseguimos ajudar os filhos que perderam o seu emprego, tudo fecha por falta de investimento, mas infelizmente outros que podiam viram as costas e não ajudam mesmo ou porque a nora é assim ou porque o genro é assado e tenho constatado casos que dóiem muito.
      Mas havendo boa vontade...como vocês dizem aí e eu aprendi, acrescenta-se água no feijão e dá para mais uns quantos.

      Agora já é possível renegociar a dívida com a banca e julgo que já dão um ou dois anos de "carência" (não tenho a certeza) e mal arranjam emprego cá dentro ou lá fora retomam a pagar. Mas a maioria entregou a casa ao banco que era a hipoteca do empréstimo. De 80 a 86 foram milhares e a casa garantia a hipoteca e ficavam totalmente livres de encargos. Com esta crise e porque as casas desvalorizaram estrondosamente, foram avaliadas pelo banco e como é óbvio não cobria o valor em falta e assim ficaram sem a casa e ainda com uma dívida por pagar.
      Isto iria ser alterado e sinceramente não sei se assim o fizeram mas com a actual governação num país intervencionado...é tramar o povo, os velhos, mas a corrupção é cada vez mais e impune, o desemprego galopante. A economia...pois claro...não há dinheiro, não se gasta, compra-se o básico e tornou-se numa bola de neve...mas havemos de sair desta, é preciso é manter a cabeça no lugar o que infelizmente muitos não conseguiram e nem conseguem.
      Tempos dificeis, mas havemos de sair desta e se eu fosse jovem...há muito que já tinha zarpado e não sei não...quem sabe se ainda não o farei:)
      A realidade portuguesa vista de fora é uma, mas cá dentro é uma panela de pressão pronta a estoirar!!!

      Beijos e obrigado

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