quarta-feira, 9 de julho de 2014

Cabazada de realidade



Os portugueses defendem partidos fortes, mas não estão dispostos a participar neles; querem uma sociedade civil pujante, mas ficam sentados à espera que ela apareça; queixam-se da política, mas não gostam de chatices, excepto no caso de subida rápida. As pessoas exigem serviços públicos impecáveis, mas têm dúvidas sobre a ideia de pagar impostos; querem a comunidade segura, mas não lhes importa a do vizinho; e o atendimento tem de ser perfeito, mesmo quando não se paga. A cultura será gratuita; os artistas são maus, sobretudo quando não são conhecidos lá fora; e os escritores não podem ser incómodos, pelo contrário, devem limitar-se a afirmações fofinhas e politicamente correctas.
A elite de pessimistas na imprensa e blogosfera pensa que os governantes e os partidos seriam perfeitos se fossem outros, mas nenhum destes autores se interroga como se faz uma democracia sem partidos. Quando aparece um novo, como aconteceu recentemente, os mesmos observadores escrevem, nos seus sofás, que estas iniciativas dividem e estão longe do ideal. Ainda não era bem isto.
Os políticos mais citados são os que estão nas alas, à espera de oportunidade, enquanto aproveitam para marcar posição sentada e fazer corajosas críticas à governação, típicas de quem nunca se chegou à frente. Quando alguém tenta ser líder, lá está uma nova divisão. E se o poder não é entregue de mão-beijada, ai, ai.


Os intelectuais dizem que a Europa parece em colapso, mas a realidade é diferente: Reino Unido e Alemanha estão a entrar numa fase de euforia económica; a Polónia encontra-se num ciclo de expansão que poderá durar décadas; Itália, Espanha e Holanda saíram de recessões violentas, já têm crescimento e estão a criar emprego. Dos seis maiores, só a França continua em dificuldades!
Pessoas que ao longo de toda esta crise estiveram erradas continuam a debitar conselhos e a fazer conjecturas sobre o nosso desaire, sempre adiado. Agora, dizem que não houve reformas, mentira mil vezes repetida, quando deviam tentar explicar à opinião pública que ainda falta fazer parte das reformas de que o País precisa.
Admitindo por um minuto que têm razão, se não houve reformas, o que estivemos a fazer todo este tempo? Eles têm a resposta na ponta da língua: cortes cegos. E ninguém lhes pergunta qual era a alternativa e onde é que se devia ter cortado. Se não era nos salários e pensões, então onde era? Temos menos cem mil funcionários públicos, mas não houve reformas. Cumprimos o que exigia o memorando, mas não houve reformas, apenas cortes cegos.

Nunca percebi o que querem os pessimistas, mas temo que os credores e parceiros europeus tenham escassa paciência para aturar o choro convulsivo de quem levou uma cabazada de realidade.
Precisamos de acordar, de sair desta pasmaceira. Temos de mudar a conversa dos coitadinhos, de que a crise nos foi imposta de fora, que os emigrantes são vítimas, os desempregados têm lepra, a mudança é impossível. É que depois das lamentações da praxe continuamos a vidinha burguesa (sim, os estádios estão cheios para os festivais de verão, os restaurantes e as praias andam repletos, os hotéis funcionam com normalidade, a venda de automóveis anda parva). A verdade é que a neurastenia é uma conversa para inglês ver, a crise está a acabar para a maioria das pessoas e é tempo de começarmos a pensar nos problemas a sério do futuro do país, e estes não estão nos partidos e na democracia, nem no governo ou nos europeus, mas no egoísmo e na improvisação, na hipocrisia e falta de visão de quem acha que o tempo ainda pode andar para trás.
Querem uma analogia futebolística? Falta-nos organização e vontade, temos uma visão distorcida das nossas capacidades e a preparação foi insuficiente. Levámos quatro a zero, mas a vida continua, vem aí outro apuramento, temos de levantar a cabeça. Alguns acham que o mundo lá fora é perigoso e preferiam jogar sozinhos na praia, tipo brinca-na-areia, mas é fácil perceber que essa opção já não existe e que temos de jogar com a fasquia mais alta.

por Luís Naves, em 09.07.14
do blogue: Delito de Opinião

14 comentários:

  1. "E ninguém lhes pergunta qual era a alternativa e onde é que se devia ter cortado. Se não era nos salários e pensões, então onde era?"

    Na fuga aos impostos! Na economia paralela! Na fuga aos impostos! Na economia paralela! Irra, irra, irra! Esta gente não entende? Entende, não quer é mexer aí... Estima-se que represente 40 mil milhões, taxada a 20% daria os tais 8 mil milhões que é necessário cortar para cumprir o tratado orçamental!

    E depois há os que, cumprindo na aparência, não pagam os impostos devidos. As grandes empresas terão alegadamente - escrevo assim não vá alguém arreliar-se - muitos milhões de euros em litigio com o fisco. E o litigio será - alegadamente, outra vez - uma maneira de ir protelando o pagamento até o mesmo prescrever ou obterem um perdão fiscal.

    Mas claro nos salários e pensões é que se tem de cortar. Não há alternativas ou há burros que não as querem ver?!

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    1. KK, compreendo e concordo com o que dizes, mas o texto é bem expressivo no que referes: não houve ou se houve foram pequenos retoques uma verdadeira REFORMA DO ESTADO. Certo? PPC criticou Sócrates aquando ainda na oposição e ele fez essa flamejada reforma do Estado? Foi sempre via mais fácil de cortar onde não devia e a maior aberração "pedir ao povo que fosse fiscal". São pagos para isso e com tanta tecnologia, tanta gente capaz de... tanto tubarão que foge aos impostos andam numa de "montra de vaidades" etc, etc?
      Outro exemplo: que raio de funcionalismo público é este que faz a avaliação das casas sem ter em conta vários itens e assim o povo paga IMI em excesso e se pede uma avaliação paga primeiro e depois logo se verá. Oito milhões é obra meu amigo, mas cadê o dinheiro? E nos palácios deles como será feito o calculo? e depois é o pobre fp que atende o público que leva com a revolta. Falas das grandes empresas em litígio com o fisco e que posso eu fazer se eles, os tais funcionários públicos versus políticos são os próprios a encobri-los? A ti e a mim e a outro pobretanas não perdoam um cêntimo e aos familiares e amigos etc e tal fecham os olhos?
      Era isto que gostaria de perguntar ao governo, mas no seu site as perguntas ficam sem resposta, as sugestões ficam sem resposta e julgo que deve haver qualquer programa que apaga logo o "fale com o governo".

      Digo-te KK se eu pudesse também não pagaria nenhum imposto, para quê? para esturrarem de forma bárbara a nível de Câmaras, para darem prémios "Audis" no E-factura, para...enfim uma guerra com duas barricadas da qual não vale a pena pensar muito porque só uma parte é que tem a faca e o queijo na mão.
      Alternativas? muitas...mas longe, bem longe do actual PSD,CDS e PS!!!!!

      Beijos e obrigado

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    2. A avaliação das casas para efeitos de IMI foi feita por entidades externas pagas a peso de ouro...

      E, como sabes, não concordo com isso de quem pede factura ser fiscal. Eu quando pago tenho direito a uma factura. E exerço-o!

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    3. Ora dizes bem e quem pagou esse tal "peso de ouro?"...pois é!

      KK eu não sou contra o pedir factura, eu sempre pedi e tenho facturas de tudo o que comprei e gastei, mas sempre e tenho pastas de 20 anos, certo? Sou contra sim o incentivarem o povo a troco de Audis (nem imagino o custo destes brindes) em vez de investirem na sua "educação versus cidadania" o que não lhes convém já que os partidos são cápsulas impenetráveis.
      Mais, os programas impostos às empresas custaram milhares de euros às mesmas e não haveria uma cabecinha pensadora em termos informáticos para saber "o gasto da mesma" sem ser preciso ser através do nº de contribuinte de quem consome ou gasta? A tira que nos dão, diz lá o programa e já falei com pessoas mais entendidas que sim, que tinham várias formas...afinal em que ficamos? Não se fiscaliza? pois é...há muitas formas de matar pulgas...e quem implementou estes programas ditos certificados, não serão eles os responsáveis? Brincamos? é nessa base amigo!
      Educar um povo demora décadas!!!!
      Já agora porque é que na Ponte 25 de Abril, quando pago não me dão logo a factura? Pois é...pois é...a burra sou eu!!!

      Beijos e obrigado

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  2. Oi, Fatyty!
    Não sei qual a diferença entre otimistas e pessimistas, se quem está no erro não são nenhum deles. Mas sei do ponto em comum entre eles: ambos favorecem para que a física quântica trabalhe no universo (rs*). Melhor arregaçar as mangas, abrir os pulmões, soltar a voz e ir à luta!!
    Tudo é cíclico! Quando a Europa está bem, no hemisfério sul tudo piora e quando por aqui está tudo bem, a Europa solta o pendulo... Parece que o universo trabalha para que os interesses de uns, seja a desgraça do outro.
    Beijus,

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    1. "Tudo é cíclico (...) Parece que o universo trabalha para que os interesses de uns, seja a desgraça do outro"...tal e qual Luma e a história repete-se!

      Beijos e obrigado

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  3. Depois de ter lido isto, continuo exactamente na mesma...

    Beijinhos.

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  4. Não concordo totalmente com o texto, há coisas que não tem razão.
    Beijocas

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  5. Discordo do que está escrito.

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    1. Tal como disse à Wind, aceito e respeito!

      Beijos e obrigado

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    2. Que remédio ah ah ah

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    3. Claro que sim refilão, se todos estivéssemos de acordo já imaginaste a pasmaceira que seria? :)))))))

      Beijos

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