quarta-feira, 20 de maio de 2015

DESAFIO - um texto politicamente incorreto

Aceitei com agrado o desafio da Maria do blogue "Amanhecer Tardiamente:

Este desafio é numa onda diferente do primeiro. O primeiro foi para reflectir em tom sério. Este será em tom provocatório. O que é que quero dizer com isto? Simples. Quero dizer que a intenção é um texto (o tamanho do mesmo é indiferente), mas um texto que não seja politicamente correcto. Acho que esta parte é bem capaz de afastar toda e qualquer chance deste desafio obter algum sucesso. Ou alguma participação. A ver vamos...

A minha colaboração

«Era uma vez uma menina que nasceu pelas 14 horas de um dia chuvoso ao som do tamborilar da chuva no telhado de zinco. De madrugada a sua mãe comeu uma cesta de maçãs verdes. Não nasceu verde, mas muito rosada nos seus quase cinco quilos e acompanhada de “efeitos especiais” do irmão ou irmã que lhe fazia companhia mas que num “politicamente incorrecto dos cordões umbilicais” foi ela que venceu. Comia muito e deu imenso que fazer aos seus pais. Para que a mãe pudesse descansar, o pai ia para a sala, sentava-a a brincar e deitava-se junto dela. Não havia meio de gatinhar e andar apesar de não ser gorda ou gordinha com o tal “inha” que se usava na época" Passado um ano e três meses nasceu o seu irmão, aquele que seria para sempre o seu cúmplice. Segundo dizem era magrela, fácil de tratar mas um castigo para comer. Ele gatinhava e ela nada. Ele começou a dar os primeiros passos e ela nada até ao dia que se levantou, andou direitinha ao “cúmplice” e numa atitude “politicamente incorrecta” bate-lhe, tira-lhe a bolacha e foge com ela, deixando-o num pranto.Os pais felizes deixaram de ter a preocupação que os assolava, mas como bons educadores que eram, deram-lhe uma palmada e em vez de um eram dois a berrar. A Velha Lemba pegou nele e a Maria Rosa pegou nela e assim se calaram.

Foram crescendo com mais irmãos, mas eram uma dupla inseparável. Porque fazia parte dela, a rebeldia, a solidariedade, a defesa dos mais fracos, a partilha "aprontava cada uma" mas sempre direccionada numa educação excelente. Não gostava de ver ou sentir os castigos dados aos irmãos e assumia as consequências das suas “travessuras” sem questionar, pensando que enganava os pais. Até ao dia em que percebeu que os pais sabiam e tinham toda a razão. Lembra-se de coisas a partir dos seus 4/5 anos. Amigos e familiares viam-na como a “menina rebelde e traquina” e quando visitavam ou eram visitados não dava beijinhos” e muito menos abraços numa postura de “politicamente incorrecta”. Mas com o abrir dos olhos dos pais, passava a "politicamente correcta".

Era muito alegre, muito vivaça e fazia de tudo numa imaginação entrelaçada com o “correcto e incorrecto! Na porta da maternidade e porque não podia entrar, resolveu pegar num molho de jornais e vender. Claro que acharam gracinha” à menina lourinha" e cheia de caracóis. Contou ao irmão que tinha ganho X e que no dia seguinte ele iria ter o carrinho” de lata com o qual sonhava, mas se dissesse alguma coisa à mãe ou ao pai, levaria umas bofetadas. Teve o carro e eu uns rebuçados comprados na loja do “Mestre Cuca”, que estranhou e falou com os pais. Resultado? O que mereceu!

Num dia de imenso calor inventou outra para ter e partilhar mais uns “tostões” e nada como embrulharmos nos papeis dos rebuçados que guardava sempre, os cocós secos dos cães, meter numa cesta e sentados no muro, vender aos soldados que passavam a caminho do quartel. Depois da "venda", foram contar o lucro atrás da enorme mangueira e repartido na integra felizes e contentes. Uns dias depois apareceu um senhor que queria falar com os pais deles. Com o pai ausente em trabalho a mãe assumia os comandos e ouviram a mãe a chamar. O que foi mãe? Conheces este senhor? Não! Então e isto? Receberam umas palmadas “politicamente corretas” com a obrigatoriedade de pedirem desculpa, o que fizeram de imediato. Vão buscar o dinheiro sfv. Aí ela assumiu e disse: Não tenho, comprei na loja do “Mestre Cuca” um bocado de sebo para o carro de rolamento do mano e uns rebuçados. O Senhor não quis e os dois ficaram o resto do dia e mais dois sem brincar e a escrever num caderno “Eu não faço mais o que fiz porque fui "incorrecta e malcriada”. Como é óbvio ajudei o meu irmão.


A menina, virou adolescente e mulher. Continuou a ser rebelde e a dizer de sua justiça perante injustiças praticadas de mil formas. Foi catequista durante 6 anos. Começava com quinze crianças e terminava o ano com cento e tal, tudo porque fugiam dos ou das catequistas. Ninguém e muito menos o padre os conseguia demover. Aos sábados o quintal parecia uma escola. Dava e transmitia tudo que englobava o catecismo dando um lado mais colorido e de sonho ao que era fantasmagórico e obrigatório na época. À missa iam apenas os que queriam e tocar com os dentes na hóstia consagrada depois de estarem X horas sem comer, era pura demagogia e nada disso era praticado. Chamada ao Bispo “N” vezes e “N” vezes disse numa postura "correta" o que achava “incorrecto”. Já que queriam que os garotos fossem à missa, que tal o Sr.Padre ir ao quintal dar a missa? Era preciso ir à Igreja que ficava tão distante? Então Deus não está em toda a parte?

A jovem catequista venceu e ainda hoje se lembra das “missas campais” recheadas de miúdos, pais e vizinhos” que de portões abertos, iam muito além dos mesmos. Da ida mensal à casa dos pais de duas ou três crianças imensamente carenciadas (transmitidos em papelinhos pelos alunos mas depois escolhidos por mim) entregar bens alimentares que conseguíamos arranjar numa de todos por um e um por todos! E muitos mais pequenos gestos.

Como já trabalhava deixou a catequese, mas continuou a percorrer o caminho por ela traçado para mudar “pedras duras” nem que fosse à martelada (sentido figurativo), contornar obstáculos, acreditar e nunca baixar os braços. Inserida num grupo de vinte jovens, criado por ela e com o seu irmão passou a visitar e distribuir o que angariavam,no hospital militar, duas cadeias e uma leprosaria apoiada por missionários(as). Tudo isto fê-la crescer com um sentido de justiça e humana que muitos só sabem o que é pela teoria!

Casou, teve um menina linda no meio de uma guerra civil estúpida (se é que existe alguma inteligente) e muito contrariada partiu para nenhures deixando o seu berço da terra vermelha. Levou na bagagem apenas: os cheiros, os sons, o mar, a mata, o capim, a chuva tropical, os amigos. Voltou para um país fechado, cinzento, cheio de hábitos e costumes tão castradores, triste tão triste onde sorrir parecia ser proibido. Mas a pouco e pouco durante 37 quase 38 anos foi transformando quem a sempre rodeou. Colegas, amigos e vizinhos aprenderam com ela e ela aprendeu muito com eles.

Hoje ainda existe essa menina dos caracóis louros, alegre, optimista, muito risonha, dentro de uma mulher com rugas vincadas sem disfarces, porque nunca usou máscaras nem graxa para subir na vida. Não põem rótulos a ninguém e muito menos as avalia pela raça, sexo ou religião. Respeita e assim é respeitada.Tem as mãos bem calejadas pelo muito que trabalhou e trabalha. Ela sabe bem o que é “correcto e incorrecto” e como lhe sabe bem por vezes ser “polidamente incorrecta” perante gentinha má, reles, egoísta, mentirosa travestidas de ”polidamente correcta” !

Hoje assentou-se numa pedra a descansar e a perguntar a si mesma, porque carga de água juntaram o “politicamente”, não seria melhor “polidamente? e chegou a uma conclusão...

Era uma vez uma menina que nasceu..»

Merece a pena ler os dos outros participantes e são estes momentos de leitura e reflexão que me fazem andar na onda dos blogues e mais uma vez obrigado Maria

12 comentários:

  1. Também fiz um texto, aceitando o desafio de Maria.
    Li os outros 5 textos, referentes a outras tantas participações e gortei. Todas diferentes, todas iguais. Nota elevada para todas.
    Realmente, este é um dos motivos que fomenta a nossa presença na blogosfera.

    Beijocas, tem um dia bom.

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    1. Li pela manhã e deixei lá um comentário e és de facto um Sir e tomara muitas figuras públicas serem como tu:)
      Gostei de todas as participações e realmente os desafios da Maria são excelentes:)

      Beijocas e obrigado

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  2. Minga querida mulher de branco tu foste és e serás uma " boa bisca"
    Adoro- te e riu-me sempre com estes teus relatos de ti
    Kis:=>}

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    1. Felizmente continuo a ser a mesma mas como digo ali ao lado "sou como sou e não sei deixar de ser quem sou":):):)
      E tenho muitas e muitas mais pequenas histórias e do hospital militar algumas bem dolorosas, mas fiquei com a sensação que partiram em paz. A ironia do destino, eu que fui a que levei mais palmadas e castigos, mais da mãe do que do pai, sou a que vivo pertinho dela e faço-lhe tudo, mas tudo para o seu bem, como fiz ao meu pai até morrer. Sou feliz e sinto uma imensa tranquilidade dentro de mim!

      Beijocas e obrigado

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  3. Li e emocionei-me.
    Nem tenho mais palavras!
    Sei lá:)
    Beijos

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    1. Já me conheces bem e não são precisas mais palavras:):):)

      Beijocas e obrigado

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  4. E graças a este desafio vim dar aqui! ;) Vou voltar! ;)
    Boas leituras! :)

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    1. Adorei a tua participação e logo que tenha tempo irei visitar o teu espaço, mas antes irei ler tudo ou quase tudo para apanhar o fio à meada:)

      Fica à vontade porque esta cubata bem ao estilo da dona não tem portas nem janelas, puxa um banco e assenta-te no chão de areia da minha terra vermelha:):):):)

      Beijocas e obrigado

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  5. Obrigada pela sua participação, Fatyly. Gostei muito. Acho que é uma senhora de se lhe tirar o chapéu. Muitos não têm paciência para escrever, quando escrever faz muito bem. Ajuda a não enferrujar os neurónios (ahahah). Ajuda a corrigir erros ortográficos. Pode ser terapêutico. E existe a tal parte muito positiva, a tal de que crescemos sempre quando lemos outros. Ler. Ler também é importante. Penso eu.

    Aceite um beijinho desta Maria, porque merece :)

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    1. Já referenciei lá no teu espaço o enorme prazer que tive em participar e ler todos os outros "excelentes". Os meus neurónios podem enferrujar mas jamais por falta de leitura porque leio imenso.

      Beijocas e obrigado

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  6. Acho que conheço (virtualmente) essa menina traquinas :)))
    Beijocas politicamente correctas

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    1. É isso mesmo Pedro e eu também acgo que já te conheço um pouco:)

      Beijocas e obrigado

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