sexta-feira, 1 de agosto de 2008
No...52 já ninguém mora
Eu sentia que havia algo de anormal contigo, apesar de todos que te rodeavam dizerem que eram coisas da minha cabeça.
Não, não era e pus-me a caminho onde as portas foram abertas. Depois de seis longas horas bem penosas, rodeada por oito médicos, ironicamente 52 vezes picada teria que aguardar pelo veredicto: se o que tinha sido descoberto fosse através do sangue, não haveria nada a fazer, se fosse através das urinas teríamos mulher.
Eras tão pequenina, tão indefesa e na saída sentei-me no último degrau de uma escadaria sem fim. Chorei e as minhas lágrimas molharam o teu rosto acalmando o teu gemer já que os teus bracinhos e calcanhares ficaram numa autêntica chaga!
Apesar de não ter dormido durante quatro dias e quatro noites e agarrada à esperança de que tudo iria dar certo, esperava o alô dos vários contactos que dei.
Trabalhei o dobro porque era e é no trabalho que carrego baterias.
Ainda hoje é tão nítido o teu olhar meu amigo: Fatyly telefone, é para ti mulher e ainda sinto o teu abraço por trás enquanto ouvia a frase mais bela que ouvi: venha amanhã de manhã, porque vamos ter MULHER! Desliguei, rodei e foi no teu peito que dei vazão a tanta dor sufocada e em peso a secção, advogados e directores envolveram-me numa bola humana!
A família emudeceu porque viram que eu tinha razão. Os meus pais foram os únicos que estiveram sempre presentes.
Não havia carro!
Para os exames e vistorias estava no hospital às 6 da manhã e o meu pai era quem ia buscar a neta ao Rossio e a trazia de comboio para o infantário.
Da boca do pai nunca ouvi uma palavra amiga ou de força, nunca me acompanhou ao hospital, talvez tenha sido a forma que encontrou para o seu sofrimento interior. Nunca soube!
Mas ela ainda hoje recorda o avô como um pai tão presente.
Nunca faltei ao trabalho, mas se entrasse depois das onze, perdia o direito ao subsídio de almoço. Ao meu chefe (já falecido) devo os 15ou 20 minutos que chegava atrasada.
Foram doze anos bem penosos onde a maioria dos exames eram feitos bem perto do hospital, ironicamente no nº. 52.
Tudo foi ultrapassado porque eu venci, tu venceste, eles venceram.
Hoje, apesar de "baixinha" és linda e a segunda flor mais bela do meu jardim! És o amor do teu amor que é tão alto como alto é o teu sentido de simplicidade ao enfrentares a vida.
Voltei à rua que tantas vezes foi molhada por lágrimas e parei naquela porta que tão bem conhecia e com a mão pousada na mesma não me contive e chorei de olhos postos sei lá onde.
Senti uma mão no meu ombro...desculpe minha senhora...no 52... já ninguém mora!
(Um pedacinho real da minha vida, escrito para um desafio proposto pelo Finúrias)
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Lembro-me deste texto e como me emocionou na altura.
ResponderEliminarÉ algo real que mostra muita luta psicológica e física, isso é de louvar e só uma pessoa como tu é capaz.
Beijos
Emocionou-me...
ResponderEliminarEu, já mais passional, já cheguei a largar o serviço (com autorizacão de chefe, evidente) para poder dar assistência ao meu irmão, em seus momentos de depressão, que sofria de câncer.
Volto sempre aqui.
Eu digo assim, existem situações na vida de cada uma de nós que quase não se explicam...
ResponderEliminarDeixamos que o tempo passe e mais tarde falamos delas quase com normalidade...
São estas histórias de dor e sofrimento, mas não menos de sobrevivência, que fazem de nós mulheres de garra...
Sozinhas, guerreiras mas esperançosas...
Com estes textos, vamos compeendendo muita coisa, nem que seja a materia de que somos feitas.
Fatyly, um beijo enorme, assim do tamanho da distância que nos separa
Fatyly
ResponderEliminarImaginarás quanto gosto das tuas piadas, da tua forma brejeira de abordar certos temas.
Quero que saibas que neste texto descobri "outra" Fatyly.
De certeza mais bela, mais forte, mais segura de ti.
Gostei muito, mesmo muito do que li.
Obrigado pela partilha.
Um beijinho
Também me lembro deste desafio do Tó-Zé, em que, igualmente, participei.
ResponderEliminarReli este teu texto com a mesma emoção de então.
E para quem o não sabia, há uma Fatyly sensível, meiga, carregada de ternura, com um coração generoso sempre aberto em dádivas de amor, para além da Fatyly que manda "umas bocas" divertidas. Uma Fatyly que nem sempre recebeu da vida a recompensa que o seu tão belo interior merecia.
No mínimo, que a saibamos recompensar nós, com a presença da nossa amizade.
Wind
ResponderEliminarUma mãe faz tudo pelos filhas. Pela mais velha foi ser "escudo contra as balas desnorteadas", deixar de comer para ela ter a mandioca.
Depois foram os gémeos, gestação de quase sete meses que perdi.
E esta foi lá buscar algo ao cardápio das doenças inéditas ...jasus. Ela tem um pequeno diário que fiz já que aquela equipe médica pedia-me para registar a hora e o dia das mudanças desde que começou a tomar uma mistela:). Como dizes e bem uma luta psicológica e física.
a senhora
puxa também deve ter sido um sufoco. Eu nunca larguei o serviço porque fui conseguindo torcer o tempo:)
Volta sempre que quizeres.
Coragem
Subscrevo todas as tuas palavras e quando oiço pessoas lamentarem-se de barriga cheia dá-me vontade de lher dar nas trombas com um panho cheio de líxivia. Sou guerreira e sempre que posso ajudo os outros também a serem guerreiros:)
Observador
Sou brejeira de facto porque sou imensamente alegre, brincalhona, optimista e acreditas que rio de mim própria? NUnca consegui marina no xim ou no nim, segura de mim vou em frente, posso sair toda partida, mas aprendi sempre com os erros:)
Fizeste uma descoberta mas acredita que é verdade e ao longo desses doze anos, que nunca faltei, que trabalhei com a mesma garra - os problemas de casa ficavam à porta do serviço e vice-versa - com que enfrentei esta dose p'ra burros. Também devo muito aos "mimos" dos meus colegas e à equipe médica, mas todos eles diziam-me com muita graça: tu é que salvaste a tua filha...porque quando ninguém ACREDITAVA, tu ACREDITASTE SEMPRE!
Peciscas
também recordo o teu texto - lindissimo!
"Adoro bocas divertidas" a tal brejeirice que o observador fala:)
DE facto havia alturas em que pensava: puxa tanta coisa ao mesmo tempo? oh como precisava de algo mais, mas o Ambrósio nunca me ouviu (gargalhadas).
Foi precisamente esta minha filha mais nova que me fez entrar na internet há quase dez anos porque sabe que eu "devoro" leituras e o orçamento não dá para comprar muitos livros.
E vir parar aos blogues de cada um...considerem-se amigos, porque o que digo é sempre o que sinto, mas por favor digam-me frontalmente quando estiver errada ou que magoe alguém:)
UM abraço enorme e uma beijoca a cada um de vós