domingo, 28 de fevereiro de 2010
Gata alpinista mas cagarola!
Ontem fui "surfar" a casa da filha mais velha. Há algo mais parecido com uma prancha de surfe e ondas do que passar a ferro? Pois.
Já vos contei do desgosto da neta mais velha com a morte dos dois gatos que teve. Agora tem a Pantera com nove meses e a outra tem a Né com um ano e tal. Comem, dormem e fazem as necessidades no local próprio dentro de casa e andam no quintal e arredores quando está alguém em casa.
Como não chovia estendi a lavada e comecei a surfar.
Apesar de "tratadas" ouvia as miadelas habituais da "corte amorosa" e vi uma pancadaria dos vários gatos no quintal do vizinho, o desarvorar de todos, mas não as vi e chamei-as. A Né apareceu e a Pantera não! Não me preocupei e continuei! Comecei a ouvir um miado aflitivo e pensei, querem ver que a pobre levou surra e está para ali ferida? Desligo o ferro e noto a Né muito inquieta. Começo a falar com os meus botões, era o que me faltava agora se aconteceu alguma coisa a Pantera. Com o vento que estava tinha dificuldade em saber de onde vinha o seu chamado. Fui ao quintal do vizinho de trás, procurei e nada. Vim para casa e falei com a Né, "oh palerma vai buscar a Pantera jááá que eu não sei onde está". Parece que me percebeu. Correu e saltou para o muro do vizinho do lado e olhou para mim como a dizer, então não vens? Lá fui, procurei e a Né a olhar para mim do cimo do muro. Estás a gozar? Onde está a Pantera? (quem me visse pensaria que eu tinha endoidecido). A Né salta do muro para cima da churrasqueira mesmo ao lado de um pinheiro e pendura-se neste. Pinheiro? e começo a olhar pinheiro acima, acima e quem estava no topo? A Dª.Pantera. E agora? Salta daí, anda cá e no baloiçar do arvoredo só miava mas descer nem pó!
Telefonei à minha filha. Tralárá e dá-me o telefone dos bombeiros que eu vou falar com eles, não precisas de vir que eu vou tentar resolver o assunto. Falei com um bombeiro bastante simpático e sentindo-me irritada com a situação, porque no meu entender conforme subiu deveria descer e os bombeiros têm mais que fazer, Pediu para ter calma, porque era muito habitual situações destas em zonas de pinhal e que viriam por volta das 14h porque é um ser vivo (com toda a razão). Acabei o que tinha a fazer e apareceram dois jovens bombeiros que foram falando comigo sobre situações idênticas. Em dez minutos e numa escalada tipo rapel, resolveram a questão, liberta fugiu como uma seta em direcção a casa.
Mandei mensagem à filha e vim para casa ainda meia aparvalhada com esta "experiência nova" que me tirou do sério. Só comigo!
Bóbó obigaduu por teres salvo a Pantera. A mana não quer falar porque está a fazer muitas festinhas a ela mas manda-te beijinhos e diz que foste muito fixe! Eu não pitorrinha, foram os bombeiros. Sim Bóbó mas tu é que chamaste os bombeiros, bigadu Bóbó e xau!
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
21 de Junho de António Lobo Antunes
Almoço com a minha filha mais velha, pelos seus anos, num dos restaurantezinhos próximos do sítio onde escrevo. De vez em quando o telemóvel dela toca e parabéns, parabéns, aqueles que não consigo dar-lhe porque no dia do nascimento estava a dez mil quilómetros de distância. Não perdoo quase nada à Ditadura e o que menos lhe perdoo foi não ter assistido à gravidez da mãe e não estar presente quando chegou. Soube da sua vinda ao chamarem-me à barraca da rádio, por uma mensagem de Luanda, no dia seguinte, e apenas uma ou duas semanas depois chegaram fotografias pouco nítidas, enovoadas pelas minhas lágrimas de emoção e raiva. Uma filha fantasma em que não podia tocar, não podia ter ao colo, não podia beijar. Lembro-me de ter ido para junto do arame farpado, sozinho, num sofrimento imenso, e diante de mim, o rio, a mata, a infinita paisagem da minha dor. Conheci-a com quatro meses, deitada no berço a dormir, inclinei-me para ela e continuo, ainda hoje, a sentir o seu cheiro, a ver as suas mãos, o seu corpo, o seu cabelo loiro, os pezinhos que me cabiam inteiros na boca. Conheci-a com quatro meses, exausto da guerra, e dali a pouco fui-me embora outra vez. Cada 21 de Junho, ao olhá-la, vem-me à cabeça, como num vómito instântaneo, o que acabo de escrever. Fico muito quieto à frente dela no restaurante, tenha a idade que tiver, com os seus pés na minha boca e o seu cheiro a embuchar-me. Quis tanto que viesse: pensava - Vou morrer aqui - pensava - Se tiver um filho ainda que morra não morro - e desde então é a certeza da minha imortalidade e da minha permanência. Mesmo hoje, passadas mil luas, dou por mim não com ela, no Chiúme (o sítio miserável onde então apodrecia) a pensar
- Tenho uma filha, tenho uma filha e não tinha fosse o que fosse a não ser as letras do rádio e fotografias a preto e branco num quarto de maternidade, que não parava de olhar na esperança que o bebé começasse a mexer-se, a sorrir, a existir de facto, a acordar ao meu colo. Toda a guerra é horrível: os mortos, os feridos, o isolamento, a estupidez cruel, as nossas existências precárias e indignadas. Mas, maior que isso, o nascimento da minha filha foi o que mais me custou pela violência dos sentimentos contraditórios que acendeu em mim, pela dúvida – Será verdade, não será verdade? E pela minha furiosa, quase assassina indignação. A minha mãe nasceu quando o pai dela na guerra também, em França, de onde voltou (tenho o seu diário) gaseado e desfeito. Porém uma coisa era saber isto e outra coisa vivê-lo. Se Deus me fizesse o favor de voltar com os ponteiros para trás, agradecia: nada se pode comparar, julgo eu, a estar presente na altura em que uma criança nossa (em que uma criança minha) rompe no mundo. Por isso o dia 21 de Junho (21 de Junho, São Luis Gonzaga, Confessor) é uma data estranha que nunca se pacifica cá dentro. Volto a África (não é a sensação de voltar a África, é de não ter saído de lá) estou em África e um soldado vem chamar-me à barraca da rádio. O cripto entrega-me um papel – Rapariga – e eu de papel em riste, aparvalhado, incrédulo, com o coração num pingo. Como esta expressão é verdadeira: o coração num pingo. Não é uma imagem nem uma metáfora: o coração num pingo. De forma que na semana passada, no restaurantezinho perto do sítio onde escrevo, o coração num pingo. Não posso meter os seus pés na minha boca (cresceram imenso) e a minha dificuldade em exprimir ternura impede-me de a abraçar como desejaria. Para ali fico, aparvalhado: parece uma mulher e mentira: é o bebé que me roubaram, é a alegria que recusaram dar-me. É o meu bebé e o meu bebé come de faca e garfo, atende o telemóvel, cresceu inacreditavelmente depressa para a ter no colo. Comemos cerejas do mesmo prato, falamos disto e daquilo e nenhum de nós fala coisa que se veja. O facto de comermos cerejas do mesmo prato comove-me. De vez em quando os nossos dedos roçam-se, apetece-me apertar-lhos e não os aperto: estou de papel em riste a ler – Rapariga - a ler - Rapariga – diante do silêncio dos soldados, do silêncio da mata, do silêncio de Angola. Sou um pingo farpado, uma gotinha que vibra. Sou um alfereszito de vinte e tal anos a tremer contra o arame farpado. Um camarada meu aproximou-se: o Eleutério. Gostava, gosto do Eleutério. Regressava sempre da mata num molho de brócolos, com o pelotão atrás. O Eleutério chegou ao meu lado e ficou ao meu lado. Nenhum de nós disse nada. E, apesar disso, que conversa comprida, cheia de fúria e alma em tiras, naquele silêncio. Agradeço-te, Eleutério, o que trocámos sem palavras. O capitão para mim: - Parabéns, parabéns - e compreendi nesse momento que a resposta possível a – Parabéns, parabéns
era a cabeça voltada para o outro lado e a exclamação
- Caralho
tão baixinho que o mundo inteiro ouviu!
CRÓNICA
In Visão nº. 748 de 5 de Julho de 2007
sábado, 13 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
PARABÉNS MINHA NETA
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Arejar...
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Auto-Biografia que podia ser de muitas e muitos...
"(...)Na Infância as escolas ainda não tinham fechado.
Ensinavam-nos coisas inúteis como as regras da sintaxe e da ortografia, coisas traumáticas como sujeitos, predicados e complementos directos, coisas imbecis como verbos e tabuadas.
Tinham a infeliz ideia de nos ensinar a pensar e a surpreendente mania de acreditar que isso era bom.
Não batíamos na professora, levávamos-lhe flores.(...)"
(...)Além de tudo isto, que sorte, ainda havia tremas e acentos graves.
Mas também tínhamos a célebre aula de Economia Doméstica de onde saíamos com a sensação de que a mulher era uma merdinha frágil, sem vontade própria, sempre a obedecer ao marido, fraca de espírito que não de corpo, pois, tendo passado o dia inteiro a esfregar o chão com palha de aço, a espalhar cera, a puxar-lhe o lustro, mal ouvia a chave na porta havia de apresentar-se ao macho milagrosamente fresca, vestida de Doris Day, a mesa posta, o jantarinho rescendente, e nem uma unha partida, nem um cabelo desalinhado, lá-lá-lá, chegaste, meu amor, que felicidade!
(A professora era uma solteirona, mais sonhadora do que nós, que sabia todas as receitas do mundo para tirar todas as nódoas do mundo e os melhores truques para arear os tachos de cobre que ninguém tinha na vida real).
Mas o que sabíamos nós da vida real? Aos 17 anos entrei para a Faculdade sem fazer a mínima ideia do que isso fosse. Aos 19 casei-me, ainda completamente em branco (e não me refiro só à cor do vestido). Só seis anos, três filhos e centenas de livros mais tarde é que resolvi arrumar os meus valores como quem arruma um guarda-vestidos. Isto não, isto não se usa, isto não gosto, isto sim, isto seguramente, isto talvez.
Os preconceitos foram os primeiros a desandar, assim como todos os itens que à pergunta porquê só me tinham respondido porque sim, ou, pior, porque sempre foi assim. E eu, tumba, lixo, se sempre foi assim é altura de deixar de ser e começar a abrir caminho às gerações futuras (ainda não sabia que entre os meus 12 netos se contariam nove mulheres).
Ouvi ontem uma jovem a dizer, a revolução que nós fizemos nos últimos anos.
Não meu amor: a revolução que NÓS fizemos nos últimos 50 anos.
Mas não interessa quem fez o quê. É preciso é que tenha sido feito. E que seja feito. E eu fiz tudo, quando ainda não era suposto.
Quando descobri que ser livre era acreditar em mim própria, nos meus poucos, mas bons, valores pessoais.
Depois foram as circunstâncias da vida.(...)
(parte da auto-biografia escrita há dois anos por Rosa Lobato Faria e publicada no Jornal de Letras)
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