sábado, 16 de março de 2019

Quem quer casar com um estranho?

Na televisão
1. Há imensas crianças com medo de palhaços. Porque têm uma "bocarra" desenhada com contornos vincados. E uns olhos que saem das órbitas e, em condições normais, intimidam. Porque têm umas mãos grandes e pronunciadas e, sobretudo, tão brancas, que sugerem um bocadinho a morte. Mas os palhaços fazem rir. Começando pelo excesso da sua imagem. Continuando pela forma como pronunciam os gestos. E a própria fala. E engendram patetices óbvias e rábulas previsíveis que, talvez por isso mesmo, nos despertam ternura.

A forma como os palhaços começam por ridicularizar a sua imagem compensa-se com o modo como se empenham em devolver o riso às crianças. Há, portanto, neles uma dimensão de bondade. E é por isso que me incomoda que algumas pessoas, usem "Palhaço!" como um insulto.

A curiosidade que desperta um palhaço não tem só a ver com a sabedoria com que nos resgata para o riso. Mas, também, com a forma como o riso das crianças, sobretudo, nos contagia e, de repente, o mundo parece simples e cúmplice.

Nas feiras, para além dos palhaços, havia uma tenda onde algumas pessoas eram expostas e ridicularizadas pelas suas características físicas. Eram disso exemplo o homem mais alto e o homem baixo do mundo. As pessoas acorriam. Acotovelavam-se. Riam-se. Eram exuberantes nas suas reacções. Faziam comentários humilhantes. Exibiam-se com alguns impropérios que lhes dirigiam. E, depois da chacota, saíam sossegadas.

Já nas histórias - é claro que nada disto parece ter a ver com nada - a Carochinha não se expunha. Ia para a janela e, com preparos que nos deixariam muito zangados se a nossa filha os tivesse, perguntava quem queria casar com ela. O resto da história já a sabem. O João Ratão, talvez porque uma viúva insinuante lhe tivesse aberto o coração, casou com ela e, porque porventura ele fosse mais à procura duma boa cozinheira do que de um grande amor, precipitou-se no caldeirão e morreu cozido. Pela gula, suponho eu.

2. Há, neste momento, muitos programas de televisão em que as pessoas procuram, "em directo e ao vivo", encontrar quem se case com elas. E se expõem de todas as formas possíveis, como se nada as comedisse. Estas pessoas não são palhaços! Mas fazem lembrar o homem mais alto e o homem mais baixo do mundo. Expõem-se! Prestam-se a tudo. E as televisões, movidas pela gula das audiências, esquecendo-se das consequências que ela teve para o João Ratão, criam com estas pessoas uma espécie de tendas de feira, em horário nobre, para que nos possamos entreter com as figuras que elas fazem.

A mim, não me incomoda só a forma como as mesmas televisões que são contra a violência sobre as mulheres incentivam um outro tipo de violência de género, usando mulheres. Alimentando lugares-comuns sobre as mulheres. Sejam elas as candidatas a Carochinha ou as mães do pretenso João Ratão.
Mas incomodam-me, também, os homens. Que se prestam a interpretar o João Ratão. Movidos por uma condição celibatária que parece levá-los a querer uma mulher, utilizando a televisão como uma janela, e fazendo de Carochinha, colocando-se numa posição do género: "Quem quer casar com o João Ratão?…".
E incomodam-me as mães que, por vezes, parecem querer uma cozinheira, uma amante ou outra variante de mulher para o seu filho demitindo-se, todavia (como qualquer mãe tem de fazer) de o interditar a fazer figuras menos abonatórias que, depois dos cinco minutos de fama, o vão ridicularizar para sempre.
E incomodam-me, sobretudo, as pessoas que se sintonizam com estes programas e achincalham, no recato do lar, pessoas consumidas por uma insensatez temporária, não precisando de ir a uma tenda de circo para se sentirem sossegadas de cada vez que descobrem nestes programas uma espécie de espelho mágico que as leva a reconhecer que, havendo tantas pessoas a fazer figuras tão feias, elas só podem ser bonitas. Ora, lembrem-se da madrasta da Branca de Neve: quem precisa de gozar com os outros para se sentir bonito, não vai longe. E, no fundo, sabe bem que talvez seja bem mais feio do que o espelho ou estes programas, lhe dão a entender.
E incomodam-me as televisões. Que, à boleia de formatos importados (como quem nos acena com a evolução dos outros países), expõem pessoas e pactuam com uma espécie de pornografia da "alma" humana que "merdifica" as pessoas como se todos nós não valêssemos nada. É, para mim, uma estranha forma de acarinhar os valores da humanidade. E a democracia!

3. Escuso de vos dizer que, depois de tudo isto, gosto, como aliás nunca gostei, dos palhaços!

DE: EDUARDO SÁ

10 comentários:

  1. Li com muita atenção Concordo com casa palavra. Eu também gosto de palhaços na acepção da palavra. Não gosto de palhaçadas como certos programas que existem hoje na tv.
    Casar com um agricultor é outra "palhaçada" como o programa quem quer casar com o meu filho. Perguntam: Mas vê esses programas? Não numa esfera global mas sim numa ou noutra ocasião e por isso comento.
    Também pergunto: Quanto ganharão estes interpretes para se sujeitarem a tão infelizes programas?
    .
    Um Sábado feliz
    .
    ** Lágrimas, frios pingos de saudade ( Poetizando e Encantando ) **

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    1. Vi apenas o primeiro dos agricultores e valeu apenas pelas paisagens. Não irei acompanhar porque de facto não é para o meu gosto! Não imagino e não sei se existe remuneração para além dos aposentos, deslocações e refeições.

      Beijocas e obrigado

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  2. Gostei de ler e concordo com o autor. Não costumo ver TV, para além das notícias, do snooker, e dos jogos da nossa seleção. Mas agora, com o problema do olho e quase sem conseguir fazer nada, por causa dos olhos, e uma vez que o médico me disse quando me queixei de que os dias eram enormes de que podia ver TV, tenho visto um pouco mais. Por curiosidade vi o primeiro programa de quem quer casar com um agricultor. Bom já não me lembro se era casar ou namorar.
    Coincidência ou não, o programa foi para o ar dois dias depois do dia da mulher, e no dia seguinte à manifestação das mulheres contra a violência e pela igualdade de direitos.
    Fiquei pasmada. Aquele grupo de mulheres em exposição para serem apreciadas por cinco homens, lembrou-me uma feira de gado que visitei em S. Pedro há uns cinquenta anos atrás. Só faltou que os homens fossem ver os dentes e apalpar as pernas para se assemelharem aos animais que eles iam comprar.
    E interroguei-me que classe de mulheres eram aquelas que se prestavam a tal papel. E como pode a sociedade evoluir para uma maior igualdade e um maior respeito pela mulher, quando outras se prestam a semelhante papel?
    Escusado será dizer que não verei mais nenhum programa e muito menos irei ver o da TVI.
    Abraço

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    1. Plenamente de acordo e eu irei fazer o mesmo. Gostas de snooker mas vi tanto que agora mal começo a ver dá-me sono.De tarde vi um grande, mas grande jogo de hóquei em patins. Incomoda-me um bocado a berraria das claques. Foi entre o FCP e Sporting. No final admirei muito o fair play que mostraram.

      Desejo-te uma boa recuperação e sfv cumpre tudinho à risca porque fazes muita falta neste mundo de cabos:)

      Beijocas e obrigado

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  3. Achei o artigo de Eduardo Sá um pouco confuso, às tantas não se percebe se está a escrever para crianças ou para adultos, Ou será que a infantilização dos adultos já passa por aqui?

    Fui buscar esta passagem que para mim não faz sentido:
    "E é por isso que me incomoda que algumas pessoas, usem "Palhaço!" como um insulto."

    Segundo o Priberam:
    pa·lha·ço
    1. Actor cómico ou profissional que tem intenção de divertir o público, em especial no circo.
    2. Pessoa que diz ou faz disparates ou coisas engraçadas ou que não é habitualmente levada a sério. = BOBO
    3. [Depreciativo] Pessoa que muda constantemente de opinião ou que não merece consideração.
    4. [Pesca] Engodo artificial, geralmente com a forma de um peixe ou de um crustáceo, com um orifício na extremidade que se prende à linha e uma coroa de anzóis na outra extremidade, usado na pesca de peixes predadores. = AMOSTRA

    Sendo assim, o termo palhaço terá muitos significados, se incomoda Eduardo Sá, está no seu direito de se sentir incomodado, mas acho que Eduardo Sá não deve viver neste mundo, o real, se por acaso estiver parado no trânsito à hora de ponta, constatará a quantidade de pessoas a tratarem-se por palhaço enquanto se mandam umas outras para sítios que são propriamente o circo ;)

    Escusado será dizer que nem em criança eu gostava de palhaços, neste caso os do circo, assustavam-me e de que maneira, ainda hoje não colhem a minha simpatia. Existe algo de sinistro por ali... :))

    Tenha um óptimo sábado, Fatyly.

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    1. Errata:

      Onde se lê:
      constatará a quantidade de pessoas a tratarem-se por palhaço enquanto se mandam umas outras para sítios que são propriamente o circo

      Deve ler-se:
      constatará a quantidade de pessoas a tratarem-se por palhaço enquanto se mandam umas ÀS outras para sítios que NÂO são propriamente o circo

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    2. Se fores ver a biografia deste homem entenderás que fala para crianças e adultos e neste artigo entendo o que ele quer dizer. De facto no trânsito e não só chamarem palhaço, pelo menos para mim, é como chamar burro quando todos sabemos que os burros são inteligentes e dão uma enorme ajuda aos seres humanos. Nunca gostei de palhaços mas há crianças e adultos que gostam imenso.

      Já li vários livros dele e percebe muito bem da psiquiiii da criança, jovem e adulto:)))

      Mas respeito a tua interpretação!

      Beijocas e obrigado

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    3. Conheço bem Eduardo Sá, Fatyly, só que ele tem o dom de me fazer adormecer, quer quando fala, quer quando escreve. Quase melhor que um qualquer calmante:)))))))

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  4. Ora bem, eu detesto palhaços desde miúda!
    Sempre tive pena do João Ratão!

    Estas mulheres que vão a estes programas, são umas vacas e deitam por baixo tudo o que se tem conquistado!
    Beijocas

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    1. Eu fugia deles:))) mas acompanhei muitas vezes as filhas nas idas ao circo e ainda hoje as duas gostam imenso dos palhaços:)))

      Gostava muito da Carochinha e o João Ratão foi depressa demais ao pote e caiu no caldeirão...e ainda recordo o que dizia sempre que acabava de ler: é bem feito:))))

      Quanto ao resto concordo mas jamais lhes aplico o mesmo apelido! mas olha que respeito a tua opinião:)

      Beijocas e obrigado

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