quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Sempre NÃO!


 






Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de ir fazer uma longa jornada: receando acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: Não.
Assim pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer aventureiro que por ali passasse. O cavaleiro já havia muito que se demorava na corte, e a mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distracção senão passar as tardes a olhar para longe, da torre do miradouro. Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e cumprimentou a dama: ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo ali uma grande paixão, e disse:

- Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar?
Ela respondeu:
-Não!
O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou:
- Pois quereis que seja comido dos lobos ao atravessar a serra?
Ela respondeu:
-Não.
Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu:
- E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta?
Ela respondeu:
- Não.
Começou o cavaleiro a compreender que aquele Não seria talvez sermão encomendado, e virou as suas perguntas:
- Então fechais-me o vosso castelo?
Ela respondeu:
-Não.
- Recusais que pernoite aqui?
- Não.
Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo e foi conversar com a dama e a tudo o que lhe dizia ela foi sempre respondendo
- Não.
Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro:
- Consentis que eu fique longe de vós?
Ela respondeu:
- Não.
- E que me retire do vosso quarto?
- Não.

O cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro, e contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do Não; mas quando ia já a contar a modo como se metera na cama da castelã, o marido já sem ter mão em si, perguntou agoniado:
- Mas onde foi isso cavaleiro?
O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno:
- Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.
O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.

TEÓFILO BRAGA
chamava-se Joaquim Fernandes Braga, nasceu em 24 de Fevereiro de 1843, em Ponta Delgada, Açores e morreu com 81 anos, a 28 de Janeiro.

20 comentários:

  1. O Teófilo escreveu um conto malandrote.
    Um abraço.

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    1. É verdade mas houve poetas bem mais mlandros:)))
      Beijos e obrigado

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  2. Teófilo Braga ... algo atrevido neste texto.
    Beijocas

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  3. NÃO direi que NÃO tenha adorado e sorrido largamente com esta história, poia NÃo estaria dizendo a verdade!
    Por isso, nunca digo nem direi NÃO!

    Um beijo agradado e sorridente!

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  4. Prova que muitas vezes um não ... é um sim.
    .
    Um dia feliz … saudações cordiais.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  5. Respostas
    1. Concordo e quando me deparei com ele ri a bom rir:)
      Beijos e obrigado

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  6. Grata pela partilha deste interessante texto que não conhecia.
    Abraço e saúde

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  7. E como um tropeção bem visto tudo deixou sereno.

    Um beijo amigo, Fatyly.

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  8. Terá sido exactamente assim??
    Não :)))
    Beijos

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  9. O não, por vezes, é um sim do caraças. :)

    Um beijinho, Fatyly :)

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